A “espiritualidade” presbiteral

Conduzindo o rebanho confiado por Deus

Estou profundamente convencido que a vossa “espiritualidade” consiste apenas na vida espiritual vivida naquilo que fazeis como πρεσβύτεροι, como ministros da Igreja de Deus: uma só é a espiritualidade da Igreja, fundada sobre o batismo e nutrida pela Palavra de Deus e pelos santos sacramentos, mesmo se ela é vivida de forma diversificada, de acordo com a graça da situação na qual o Senhor desejou o seu servo.

Infelizmente ainda existem tentativas de propor uma “espiritualidade” presbiteral que poderíamos chamar de “espiritualidade do genitivo”, ou seja, fundada sobre a declinação de cada um dos aspectos da vida do presbítero: “espiritualidade eucarística”, “espiritualidade diocesana”, “espiritualidade da caridade pastoral”… Ao contrário, a autêntica espiritualidade do presbítero só pode ser alimentada e vivida através da realização do seu ministério. Em outras palavras, é no exercício do seu ministério que os presbíteros crescem na fé e aprofundam a sua vida espiritual: preparando-se para anunciar a Palavra e, de fato, proclamando-a, eles também nutrem a si mesmos; celebrando a Eucaristia entram mais profundamente no mistério pascal; como ministros da reconciliação impregnam a própria vida de misericórdia; procurando anunciar o evangelho, hoje e aos outros, eles mesmos o compreendem de forma melhor; no confronto e no diálogo com os não cristãos medem o dom da própria fé; escutando os irmãos e as irmãs, e carregando as suas feridas, mostram o rosto do “bom pastor que dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10,11).

Aqui se insere também a questão da assim chamada “presidência” presbiteral. É necessário que vós presbíteros tenhais a clara consciência de serdes cristãos que foram chamados pelo Senhor e colocados pelo Espírito Santo para presidir a comunidade, ou seja, presidir o anúncio da Palavra, a liturgia eucarística e o cuidado pastoral. A forma deste ministério de “presidência” é simples e não exige comportamentos especiais e ou estratégias particulares. Ele se expressa sobretudo na solidez e no discernimento: solidez na fé (e portanto exercício pessoal do sensus fidei) para poder confirmar os irmãos e discernimento realizado com autoridade, com ἐξουσία, para edificar a comunidade como corpo do Senhor.

Se quem preside completa e plasma estes carismas com o dom da misericórdia, exercitada para com a comunidade que lhe foi confiada (e o Senhor não priva jamais deste dom os que o pedem com sinceridade!), então aparece na Igreja o ícone do “pastor belo e bom” (ὁ ποιμὴν ὁ καλὸς: Jo 10,11): o que dá a vida pelos irmãos (cf. Jo 10,11), que conhece os cristãos do seu rebanho (cf. Jo 10,14), que caminha na frente da comunidade peregrinante (cf. Jo 10,3-4) e lhe fornece no tempo devido o alimento necessário (cf. Lc 12,42). Pastor da comunidade, servo da comunhão, o presbítero é um cristão e um discípulo junto com os seus irmãos, mas ao mesmo tempo tem a tarefa de guiá-los; ele mesmo, por outro lado, é guiado pelo Espírito Santo ao qual se abandona através de uma escuta e uma obediência fiel, para que esteja à altura de conduzir o rebanho de Deus no meio do qual o Espírito o colocou para presidir (cf. At 20,28).

Finalmente, é necessário recordar que a eficácia do vosso ministério é condicionada pela autenticidade e pela fidelidade com que o viveis: uma maior ou menor fidelidade ao evangelho no exercício do vosso ministério tem uma clara influência sobre a evangelização, sobre a presidência da comunidade, sobre a celebração dos sacramentos (PO 12; PDV 25). E vice-versa, o que fazeis como presbíteros é parte integrante de vossa vida espiritual e é determinante para a vossa santificação: vivendo plenamente o vosso ministério vós vos realizais plenamente como homens espirituais e por conseqüência vos santificais, ou melhor, acolheis as energias de santidade que Deus doa a quem aceita.

E quando apoiais ou acompanhais agremiações particulares e movimentos não vos esqueçais que, se é verdade que seja possível receber estímulos das experiências espirituais próprias de um grupo, não podeis, porém, deixar-vos “capturar” por alguma delas nem correr o risco de “privatizar” o vosso ministério: fostes revestidos do ministério presbiteral tendo como referência a Igreja toda inteira, e é este ministério que deve plasmar a vossa vida e forjar a vossa santidade. Seria terrível se uma espiritualidade particular configurasse a vida espiritual do presbítero mais do que o exercício do seu ministério: disto brotariam uma grave desarmonia e uma falta de unidade no nível pessoal!

Do livro “Aos Presbíteros” de Enzo Bianchi (Monge)

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